Em uma mesma noite, duas amigas em pontos diferentes do país...
Laura caminha pela Augusta, pensa em ligar para os amigos, mas desiste, é dia de seguir só. Luiza recusa o previsível samba e decide por Blues e Jazz na Ilha da Fantasia – também conhecida como Floripa.
Tudo acontecia como Laura previa: cerveja, mulheres excessivamente charmosas e troca de olhares desconexos. Até que se percebeu observada por um exemplar mais enxuto do Poderoso Chefão, sabe aquele tipo: estou flertando com você, mas não assumo.
Luiza conversa amenidades com os amigos à mesa, quando vê entrar no pequeno bar um desenho, é isso mesmo, o desenho do seu menino. O menino que ao longo anos e com muito esmero desenhou em sua mente, acrescentando uma esquisitice aqui, uma calça xadrez ali, uma doçura acolá. Como se tudo não fosse perfeito, Arthur era amigo dos seus.
O show começa e por um magnetismo musical as pessoas avançam em direção ao palco. As mãos da Laura e do Poderoso Chefão se tocam brevemente, mas o suficiente para um quero mais. Sorrateiramente o Poderoso Chefão segura a mão dela, e como se não tivesse feito nada, acompanha o show indiferente.
O desenho não desviou do seu script, encanta-se por Luiza. Entre várias conversas, conta que faz pães e os entrega em uma bicicleta com um cesto na frente. Os amigos confirmam, tal qual os meninos dos filmes italianos do pós-guerra, Arthur é o garoto magricelo de boina azul que pedala sobre os paralelepípedos entregando suas baguetes.
João é o nome do Poderoso Chefão, ele a abraça. Laura praticamente some em sua jaqueta preta. Ele é doce e forte, embora não fisicamente. Ela não sabe mais se é um Poderoso Chefão, mas, enigmático como todos, sente que pode derreter ali, imersa. Laura teme ser hipnotizada se encará-lo. Feito gatos, alisam-se. Até o momento, que ser gato não basta, centímetros separam seus lábios. João: Não posso beijar. Laura tenta inutilmente controlar suas sobrancelhas, que se transformam em sobrancelhas-Coringas, e tem um acesso de riso.
Arthur saca um bombom do bolso, come-o demoradamente, sem oferecer à Luiza. Em seguida, dá um nó no centro do papel, se você conseguir desfazer o nó, te dou um beijo! Luiza, atrapalhada, puxa o papel da mão dele. Ela tenta, mas não consegue. Ele o toma e afrouxa o nó. Ela finalmente desenlaça. Mesmo sem óculos, consegue ler: Surreal, em letras douradas, é o nome do bombom. A timidez em Luiza é proporcional ao seu desejo. Arthur arremata: quero meu beijo no escuro! Levanta-se da mesa e caminha em direção à praia. Ela o segue, o barulho das ondas do mar confundi-se com as batidas de seu coração. Arthur tateia o rosto da moça até encontrar seus lábios, o beijo acontece.
Laura questiona: Porque não pode beijar? Ele desconversa e continua a cheirá- la, com a cobiça de quem cheira a panela vaporosa do almoço de domingo. Ela insiste. João com um meio sorriso, Vou lher fazer uma proposta irrecusável : se você for embora comigo eu te explico o por quê. Laura não consegue distinguir o que é maior: sua curiosidade ou a vontade de voltar para dentro daquela jaqueta. Laura encosta seu queixo no peito dele, sente uma estranha tranqüilidade, aceita.
Luiza chega em casa com o sol, deixando por todos os lados o rastro-areioso da sua noite. O suspiro fica pela metade, adormece.
O silêncio do João contrasta com a barulhenta Augusta. Ele sabatina Laura com perguntas, evitando à sua. Laura acha graça, pensa que ele está levando a sério a premissa do seu personagem: nunca deixe que as pessoas saibam o que você está pensando. Dispara: E a historia, João? Como num passe de mágica, ele a coloca em seu colo, caminha com ela, em seus braços, entre putas, bêbados e trailers de cachorro-quente. Seus olhos dizem coisas que Laura não saberia traduzir. Em frente ao prédio dela, minha história é uma mulher. Pressiona as mãos dela com carinho e diz ternamente um cuide-se, parte. Laura deixa escapar seus pensamentos: afinal, o homem que não se dedica a família, nunca será um homem de verdade. Volta-se para rua, procura seu Poderoso Chefão pela última vez. Não consegue. Ele é apenas mais um entre os outros homens.
Luiza acorda com um gosto doce na boca, não lamenta ter perdido toda a manhã e parte da tarde. Os latidos anunciam a chegada de alguém, abre a porta da varanda e vê Arthur, sorridente ele diz: Você é Real! Aponta para o horizonte e a convida para ver o Arco-Íris.