quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Pra você

Eu quero acreditar em passarinhos. Olho pro céu e só vejo poste sem luz.
Eu quero ser forte, mas minha pele é fina demais.
Eu quero emoldurar os desenhos que você fizer nas minhas costas.
Eu quero ser teu pão, sentir você esmagar meu corpo com suas mãos.
Eu quero ponte sem bungee jump.
Eu quero a eternidade daquele abraço afobado, mas o sol insiste em nascer.
Traga uma vela

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Ligando os pontinhos

Há muito tempo atrás , quando eu tinha 13 e tentava imaginar como seria minha vida aos 16 anos, o tio - Mauro me contou que, todos os dias, ele e um amigo corriam em um campo de futebol. Na hora marcada lá foi o tio-Mauro, pegou o amigo na esquina, e rumo ao campo, mas não parava de chover... os dois se olharam e não tiveram dúvida. Ficaram dando voltas em torno do campo, de carro. Essa história sempre me intrigou, achava divertida. Afinal, eles poderiam, simplesmente, terem ido embora, mas não foram...
Alguns dias atrás, quando eu tentava imaginar o que aconteceria com o finalzinho dos meus 26 anos, vi o tempo fechar. Um amigo de trabalho me vendo apressada para ir embora disse: “ você não trouxe guarda chuva?” Antes que eu respondesse, negou com a cabeça e prosseguiu: “Você não é tipo de mulher que anda com guarda-chuva”. Me senti nua, em um corpo que não me pertencia, argumentei que às vezes ando com um guarda chuva tão grande que, em meus pensamento, é mais um cajado que me mantém firme no mundo.
Eu corria, corria, corria e perdia. Não tem fita ou “chapéu” que drible a chuva. Quando o céu desaba e não se está preparada: sua pele vai sentir e seu coração terá que agüentar.
Água caía, caía, até um momento que eu me tornei parte da chuva, minha roupa ensopada, meu corpo pingando e meu coração dilatado. Nesse momento, senti a paixão, o excesso, o descaso com o mundo. Entrei afobada no metrô, os olhares espantados não me assustavam, eu estava alimentada, mais do que isso, estava viva!
E lá fui eu, pela 1 vez no Estádio, ver a paixão nacional, o tempo era bom, com pouca probabilidade de chuva. Ahh paixão, a paixão são 58.648.18 corações suspensos até o final do lance, e depois sentir o chão tremer. E haja concreto pra segurar os urros, pulos, gritos, o desespero. Quando se perde: a única coisa que se pensa é ganhar. E quando se ganha, se quer ganhar mais ainda. A paixão é o exagero e a fidelidade, fidelidade daquelas duas velhinhas que regularmente vão ao estádio ver seu time do coração; do antigo-argentino que anda devagar e sozinho, mas solícito, carregando a bandeira de uma paixão que não sabe explicar como começou.
Eu sei, eu sei, não é todo dia que chove, e não são todos os dias que nossos poros suportam o peso d água. Nos dias de chuva e coragem sem sentindo, deixe o carro, o guarda-chuva ou sua capa invisível em casa. Compre logo sua passagem pra Oviedo, coma todo aquele abacaxi inacreditavelmente doce sem lembrar da gastrite, e no outro dia, acordará sem boca, só afta. Porque a paixão é injusta, e sempre será. Não basta chegar perto, ela invadira seu corpo, penetrará em seus poros e ferirá sua boca, e mesmo assim: você vai querer mais, mais e mais.... Pois só assim é possível estar em paz com a vida. A vida é paixão, essa bola fora de alcance.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Muito mais que um anel....

Aos noivos, Patrícia e Fábio
Eu sempre adorei as cenas dramáticas em que as mocinhas arrancam seus anéis ou alianças dos dedos e os lançam na sarjeta. A cena é inseparavelmente acompanhada por choro, e por vezes, chuva. As tragicômicas também me agradam, quando o anel insiste em não sair do dedo, evidenciando a passagem do tempo, e mostrando que os corpos já não são mais esbeltos como antes. Ah! As cômicas, o clássico cafajeste que retira sua aliança do dedo e, em seguida, flerta com a moça ao seu lado.
Mas o que realmente me motivou a escrever esse texto foi a declaração, via MSN, de um amigo: “eu tentei fazer tudo certo, até anel eu comprei!”. Pausa. Uma contextualização se faz necessária: Não, ele não é um Clark Kent, sabe aquele tipo: óculos sem aro, camisa social por dentro da calça, enfim, o bom moço. Sim, ele é da turma dos sujinhos - carismáticos, dos que escrevem muito bem, comem bolovos na Mooca e dos que o último porre, que temos notícia, não foi na adolescência, mas sim no domingo passado mesmo. Assim foi: Levou a minha irmã na joalheria, parcelou o bendito e enviou com flores vermelhas, claro, no dia dos namorados. Acabou, no dia de finados, com a última parcela do cartão e na solidão.
Ficamos, ele e eu, tentando entender por que cargas d’água ele quis dar um anel à moça? Por que as pessoas dão anéis??
Ele cogitou posse, mas terminou com a busca por se eternizar no outro. Eu comecei a montar meu costumeiro quebra-cabeça. Lembrei que, uma vez, meu tio querido encasquetou que deveria me dar uma jóia. Eu: não tio, essas coisas são caras. Ele: nada, Clau. Com a maior cara de pau eu disse: ah é... Então, me dá em dinheiro que eu vou viajar.
Comecei a achar que meu amigo tinha razão, mas era cedo para conclusões. Procurei no meu baú de memórias e lembrei-me de uma história:
Um dia, na casa da mãe de amigo, um anel me chamou atenção. Quase submerso no dedo de uma senhora. Era um anel de Camafeu. Eles sempre me impressionaram, talvez por influência dos contos de fadas. Elogiei o anel. A senhora me responde com um sorriso sonoro, comprimindo-o levemente com a mão esquerda, e disse: "Esse anel tem mais de 50 anos”... “Quando eu me formei, no que hoje é o ginásio, minha mãe quis me dar um presente, porém, não podia. Então, me deu o anel de seu noivado”.
Naquele dia, não consegui deixar de pensar que, por mais de 50 anos, aquela que foi uma menina e, hoje, é uma senhora, carregou consigo uma prova de amor de sua mãe. Que por sua vez, foi símbolo do elo entre seus pais.
Ah! Mas não sei. Afinal, capitalismo, selva de pedra. A visão de um anelzinho resolvendo muitos problemas diários me tenta, mas, e se eu o ganhasse do meu menino? O tal, que dizem que existe, e que eu estou aqui esperando para merecer.
É amigo, você fez tudo certo. Eu que fiz errado, não importa o quanto eu tenha fotografado, nunca poderei dar a minha viagem à minha sobrinha. Nunca me eternizarei em jóia.
Sempre fui avessa às cerimônias, alianças ou anéis, mas aprendi que um anel pode ser muito mais que um anel. Tenho que continuar de olhos bem abertos para conseguir aprender os sentidos e que, por mais que sejamos descrentes, mesmo sem fadas, temos contos!


** Contos de todas as cores, Pati e Tato. Amor, madrinha.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Para os céticos: Besteirol para entortar mentes. Para os sentimentais: Aquarela.


A tese: Os fatos não existem em si mesmo. “Os olhos pintam a vida”.
A antítese, a afirmação preferida dos advogados (ironicamente): Contra os fatos, não há argumentação. Esse texto se propõe a um breve passeio pela vida e, audaciosamente, pretende provar que os fatos não existem por si mesmos.
Nosso passeio começa pelos nossos olhos. É isso mesmo, não é interessante como nossos olhos não permanecem “o tempo todo abertos”? Você esqueceu? Nós piscamos. O que é uma piscada? O breve intervalo entre abrir e fechar dos olhos. O momento em que os olhos estão abertos seria o real? O comprovado? A razão? O fechar dos olhos seria então o mistério? O obscuro? O que está além e aquém da razão? O sentimento? Se pensarmos assim, vida é um eterno diálogo, expresso pelo o breve instante de um piscar de olhos. Real versus mistério. Sob essa perspectiva, o escuro (mistério) e o claro (real) são planos que se perpassam, e mais, que se fundem de tal maneira que o bom, ruim, belo, feio, nojento, tornam-se relacional, e portanto, não objetivo.
Humm Complico? Esse blog tá metidinho, mas vamos a mais uma teoria cotidiana, sem fundamento, claro, porque fundamentos são para os chatos. Brindemos à fantasia.
O que pretendemos é expressar, através da premissa já citada, que se até mesmo nossos olhos vivem num constante diálogo entre o ver e o não-ver, nada é tão certo ou tão errado. E tem mais: entre uma piscada e outra, vemos e não vemos milhares de partículas de vida, portanto, as combinações podem ser infinitas.... Eu sei, eu sei, Planeta-Terra, Planeta-Terra chamando... Voltemos à terra firme. O que estou tentando dizer é que, nada pode ser analisado em si mesmo, é preciso entender a teia de relações. Essa teia é a combinação do que vemos com o que deixamos de ver.
Passaremos agora ao estudo de três casos, para exemplificação da proposição:
Estudo de caso nº1. - A sujeira
Em mais uma noite em um bar, questionei-me. Cervejas derramadas no chão, e que permanecem ali, sendo pisadas e repisadas durante horas, é uma cena nojenta, suja? Mas, e se essa cerveja, esse líquido derramado no chão, proporcionar o deslizamento necessário para que as pessoas desse bar dancem melhor? É isso mesmo, antes o rude chão dificultava os movimento dos dançantes, mas o chão molhado pela cerveja fez com que os pés dos dançarinos deslizem com facilidade, produzindo leveza e agilidade de movimentos. Isso é nojento ou bonito?

Estudo de Caso nº 2. - Religioso em cena.
Deparo-me com três franciscanos no metrô Sé da cidade de São Paulo. Por um instante as piscadas cessam e a cena se petrifica, as figuras se destacam das demais pessoas que estão ao seu redor. Seus contornos são nítidos, suas cores expressivas. Em um primeiro olhar vê-se: três jovens franciscanos muito parecidos, a semelhança é causada pelo corte de cabelo, suas roupas e por seus pés descalços e feridos. A dissonância entre os religiosos e os demais passageiros é visível. Três representantes de uma ordem religiosa que tem como objetivo a uniformidade, a igualdade entre seus pares, visando o desprendimento de todo e qualquer desejo particular, a negação do eu e da materialidade via adoção de uma vida com níveis extremos de miséria. Talvez algumas pessoas, olhares, enxerguem beleza nos religiosos. Ora, esses abdicaram dos prazeres fugazes, por uma vida significada, por um ideal, por uma crença. Ora, outros entenderão essa posição como uma estupidez; afinal significa renunciar a tudo que pode ser vivido, sentindo, desprezar a liberdade por algo que não sabemos se existe realmente. É estupidez a essa altura do campeonato 2008, andar descalço na Sé?
Estudo de caso aplicado nº 3. - Yasmim, 5 anos, vendedora de chicletes da praia do Futuro.A seu favor: além da brisa do mar, o brilho dos seus olhos.
Ela fica impressionada com meu mp3, tira uma foto com a minha câmera. Teima que eu escrevi o seu nome errado. Antes de partir, pede que eu desenhe uma casinha com uma cama e uma escada pra ela subir... Pra onde vai Yasmin?
Eu fico ali, com meu olhar opaco da vida, tudo cinza naquele dia de sol que derrete minha retina e deixa o mar mais azul: será que Yasmim sabe (sente) que é explorada? O que ela pensa a respeito do seu futuro? Ou será que seu futuro é a realidade! Que cor tem o futuro? Que cor tem a realidade? O futuro é certo, a realidade é errada? Ou sabemos nós, sabichões, qual será o futuro de Yasmim, e que de certo ele não tem nada. E que a realidade é tão ardida quanto o sol que queima a minha retina.
Yasmim parte, se volta pra mim e sorri. Constato que eles continuam lá: o brilho do seus olhos. Pra onde vai Yasmim? Yasmim vai em direção às terras distantes que meus olhos não conseguem avistar... me viro e contemplo o mar.
Eu te pergunto, você acredita que tem paleta de cores? Ou pra você os pincéis são para poucos? Será que o Capital do Marx ou a Caverna do Platão é capaz de apagar o brilho dos olhos de Yasmim? Será que o conforto tentador de uma havaianas fará com que os franciscanos deixem de andar descalços por aí? Será que cada um de nós tem o potencial de pintar sua vida, escolhendo assim ser um impressionista, barroco ou surrealista? Claro que os pincéis, as telas e as tintas não serão as mesmas, mas cada um, diante de sua estrutura, pode dar as formas e cores providas do seu olhar. De modo que cada um fará de sua vida uma obra de arte?
Sim, é a síntese da tese. Por hoje, creio que não existem fatos, mas situações. Para cada situação, uma tela, que dá para uma janela, uma porta ou um beco sem saída.