quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Uma Amora para Sua Estupidez

Eu sou uma Amoreira
aquela árvore magricela com folhas esparsas
aquela com as folhas murchas
que a luz perpassa
Eu sou essa árvore carregada de amoras
no meio do concreto e das buzinas
é tanto barulho que você demora
mas um dia, por descaso, você vai provar
Uma amora. uma. apenas uma
Eu vou explodir na sua boca
todo meu líquido viscoso
gostoso
Eu vou escorrer por seus lábios
e manchar sua roupa
você vai esfregar
lavar
clariar
furar
arrombar
mas
não vai adiantar
furioso,
me fará de pano de chão
e nem assim vai passar
por quê?
Eu sempre estarei na ante-sala
pra limpar a sujeira
e te fazer lembrar
da amora que você provou
por descaso

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Você tem fogo?

Para Déia
Poucas coisas me fascinam tanto quanto uma “tragada profunda”, por segundos conseguimos ver a alma alheia, mas no momento seguinte ela nos escapa.
Houve um tempo em que fumar era charmoso, tudo estava envolto em fumaça: músicas, t.v, desenhos, filmes. Veja você, no YouTube se quiser, os Flintstones já fizeram propaganda do Marlboro. Você consegue imaginar Humpert Bogart, em Casa Blanca, sem seus cigarro - pensantes? Por favor, politicamente corretos, não digam o óbvio, a indústria do tabaco forçou essa aparição! Me deixem com a fugidia tragada do romantismo.
Sei que um dia, em um Inferninho qualquer, não direi nada além de: “Come on baby, light my fire”... É, mas os tempos são outros, pelo que parece, os moçoilos adotaram o eufemismo: “ vou ao banheiro” . Outrora, eles diriam: “vou comprar cigarros na esquina”. Prefiro o último, acho mais poético, mas pode ser que eles achem o outro mais higiênico!
Um dia desses, uma fumaça me contou que uma senhora de 75 anos, portuguesa, de sotaque adoravelmente carregado, adentrou o consultório de um psicólogo para sua primeira consulta. Antes mesmo de sentar, caminhando com dificuldade, perguntou: posso fumar? Se não posso, não há problema, vou embora!" Depois de uma ligeira paralisia, ele fez sim com a cabeça. A senhora acendeu seu cigarro; o psicólogo, que é fumante, a acompanhou. Entre uma tragada e outra, a portuguesa explicou: "Doutor, já vivi muito, estou com câncer no pulmão e meus filhos só sabem pedir para que eu pare de fumar. Todavia, o Sr. acha que Sartre escreveu O Ser e o Nada sentando em um café à toa? Eu não estou aqui porque tenho medo de morrer, eu estou aqui porque quero me entender... Eu não quero viver pra sempre, aceito a morte como um dado da vida e o cigarro como um prazer que me humaniza.
O mais acertado seria calar-me diante de tão sábia senhora, mas como não estamos aqui pelo certo, e sim pelo fogo, digo: estou cansada das mãos ostensivas que impõem campanhas de humanos perfeitos, sem vícios, sem erradas falas, sem atos impensados...
Não sras. e srs., eu não fumo. Mas gosto de pensar que a milhas de mim mulheres enrolam charutos em suas coxas, presos encontram no cigarro a sua liberdade, o caipira matuta com um cachimbo no canto da boca, a garota ansiosa devora o maço na esquina e, acima de tudo, que a qualquer tempo, um Álvaro, Campos ou Fernando possa escrever:
"Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino me conceder, continuarei fumando "

Só aquele que tem vícios pode ter alma.

Nota: Flinston no YouTube http://br.youtube.com/watch?v=nL53aIEgTxo

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Colaboradores

Agora sim, com os colaboradores esse blog vai pra frente!
Um colaborador anônimo enviou o texto abaixo, seja quem for, obrigada!

Hoje serei criança

Ontem era criança, e como criança: sonhava em crescer e ser forte, quem sabe ter poderes, quem sabe dominar o mundo. Mas ontem passou, e criança não posso mais ser. Meus sonhos doces amargaram e a realidade, por vezes, parece cruel, mas não é. A realidade é um sonho manipulado por nossas mentes que cresceram, deixaram de ser crianças.
Ontem passou, criança não sou. A força que eu queria ter, eu tinha. O poder que eu queria ter, eu tinha. Dominar o mundo? Que besteira! Eu era dono dele. Eu sonhava em ser o que eu já era e não sabia. Hoje não sou mais o que eu não sabia ser, mas sonho em me tornar. Meus sonhos foram poluídos pela realidade que o mundo me impôs e eu aceitei.
Ontem passou. Hoje, sonho em ser criança. Ter novamente a força e o poder que tive - nunca sentir medo e enfrentar todos os obstáculos, apenas para mostrar que eu conseguiria.
Mas hoje serei sereno, fecharei meus olhos e me permitirei ser criança, quando abri-los novamente, enfrentarei a realidade com a coragem que trarei de meus sonhos, pois o ontem passou, mas o hoje pode ser tão doce quanto os meus sonhos de criança.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Diálogo

Andava distraída na tarde de Inverno. Pensava naquele mínimo gesto, lutava para que ele não me escapasse. Inútil, resta a sensação. Até que uma imagem, entre frestas, de um pequeno portão me chamou atenção. Avistei a eternidade.

A Eternidade fica bem ali, na esquina da Cardeal com a Henrique Schaumann. De lá, só ouço o silêncio.
Foi lá que, há muito tempo, Maria escreveu:
“O nino, meu esposo,
meu guia e motivo eterno
de minha saudade e de meu pranto”
Em mim, a passagem do gesto. Um samba, dois pra lá, dois pra cá - e o espaço entre nós, um movimento simples - minha mão levada ao teu peito e, em seguida, ao teu pescoço, dizia: te quero mais perto.
O dia de Maria chegou e alguém escreveu:
“Aqui, repousa Maria ao lado de seu amado esposo...”
O tempo foi contínuo em Maria, feito a representação de um homem que busca incessantemente o beijo de sua amada. O Amor ali, no Silêncio, Concretizado, desafia o sol, a chuva, o vento e a corrosão...
No meu instante, a beleza é um lance, feito minha mão sobre teu pescoço - uma borboleta com dias contados...
Neste momento, Maria, Nino e o Amor estão em algum lugar, que só a Eternidade pode nos contar...

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

O Pé de Manacá




Minha paz está na sombra de um pé de Manacá, lá o tempo é outro – o cachorro carrega o gatinho nas costas. Só lá consigo colocar meus pés no chão. Gotejo meus erros nas folhas até que eles transformem-se em fertilizantes para a terra. Reorganizo meu mundo e vejo que nada é tão eterno que não possa ser vento.

O guardião desse portal, que prefiro chamar de fissura no tempo, é um elegante caipira - sempre com sua camisa xadrez, calça social e um cachimbo à sua esperar. O primeiro filósofo que conheci. A tardezinha, ele senta-se na varanda da sua casa, “pita” seu cachimbo e, como ele mesmo diz," fica vendo o tempo". Criança, eu não entendia porque ele passava tanto tempo ali, só. Eu tentava, mas não conseguia “ver o tempo”. Estava sempre à espera de um grande acontecimento. Ele percebia a minha ansiedade e contava um “Causo”: Sereias, Curupiras, Mula Sem Cabeça...

Assim cresci, tentando enxergar o meu tempo, embalada por fábulas. Mas aí, de uma hora para outra, te dizem que as fábulas não são mais pra você; e mais do que ver o tempo, você tem que estar sincronizado com ele. Você não pode mais ficar nos bastidores, você tem que ser “A Estrela”. Não basta existir, você tem que aparecer. Um amigo ilustrou o dilema: “se não está no Google, não existe!”.

Por um tempo esperei pelo grande momento, a minha ópera, até perceber que estou mais para picadeiro, não tenho vocação para atriz principal, nunca vou constar no Google! Mas ficou a vontade de contar “Causos”: mesmo não sendo elegante, quero sentar na minha cadeira de balanço, colocar meus óculos com lentes de fábula e narrar o que “vejo”.

Acredito que não encontraremos Príncipes, Fadas e Potes de Ouro aqui, mas, com sorte, teremos mágica! Confortavelmente sentados, desnudaremos nosso cotidiano e veremos que ele não é apenas ordinário, mas também extraordinário...

Não se apresse em colocar sua melhor roupa, não será um grande espetáculo, estamos mais para areia do que para Iceberg. Dançaremos um Tang amador sobre uma corda bamba, ora flertando com o charmoso sarcasmo, ora de mãos dadas com a primavera ingênua. Feito jogador de xadrez às avessas, uma vez por semana não pararemos nosso relógio, apressados à próxima jogada. Deixemos o tempo correr... E por fim, você dirá: Colecionadora de Ilusões ou Apanhadora de Sonhos.


Nota: “Sempre que posso, sento-me ao lado do Elegante Caipira e, cada um a seu tempo, dialoga silenciosamente”