Poucas coisas me fascinam tanto quanto uma “tragada profunda”, por segundos conseguimos ver a alma alheia, mas no momento seguinte ela nos escapa.
Houve um tempo em que fumar era charmoso, tudo estava envolto em fumaça: músicas, t.v, desenhos, filmes. Veja você, no YouTube se quiser, os Flintstones já fizeram propaganda do Marlboro. Você consegue imaginar Humpert Bogart, em Casa Blanca, sem seus cigarro - pensantes? Por favor, politicamente corretos, não digam o óbvio, a indústria do tabaco forçou essa aparição!
Me deixem com a fugidia tragada do romantismo.
Sei que um dia, em um Inferninho qualquer, não direi nada além de: “Come on baby, light my fire”... É, mas os tempos são outros, pelo que parece, os moçoilos adotaram o eufemismo: “ vou ao banheiro” . Outrora, eles diriam: “vou comprar cigarros na esquina”. Prefiro o último, acho mais poético, mas pode ser que eles achem o outro mais higiênico!
Um dia desses, uma fumaça me contou que uma senhora de 75 anos, portuguesa, de sotaque adoravelmente carregado, adentrou o consultório de um psicólogo para sua primeira consulta. Antes mesmo de sentar, caminhando com dificuldade, perguntou: posso fumar? Se não posso, não há problema, vou embora!" Depois de uma ligeira paralisia, ele fez sim com a cabeça. A senhora acendeu seu cigarro; o psicólogo, que é fumante, a acompanhou. Entre uma tragada e outra, a portuguesa explicou: "Doutor, já vivi muito, estou com câncer no pulmão e meus filhos só sabem pedir para que eu pare de fumar. Todavia, o Sr. acha que Sartre escreveu
O Ser e o Nada sentando em um café à toa? Eu não estou aqui porque tenho medo de morrer, eu estou aqui porque quero me entender... Eu não quero viver pra sempre, aceito a morte como um dado da vida e o cigarro como um prazer que me humaniza.
O mais acertado seria calar-me diante de tão sábia senhora, mas como não estamos aqui pelo certo, e sim pelo fogo, digo: estou cansada das mãos ostensivas que impõem campanhas de humanos perfeitos, sem vícios, sem
erradas falas, sem atos impensados...
Não sras. e srs., eu não fumo. Mas gosto de pensar que a milhas de mim mulheres enrolam charutos em suas coxas, presos encontram no cigarro a sua liberdade, o caipira matuta com um cachimbo no canto da boca, a garota ansiosa devora o maço na esquina e, acima de tudo, que a qualquer tempo, um Álvaro, Campos ou Fernando possa escrever:
"Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino me conceder, continuarei fumando "
Só aquele que tem vícios pode ter alma.
Nota: Flinston no YouTube
http://br.youtube.com/watch?v=nL53aIEgTxo