segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Cooperifa

Era quarta – feira, porque quarta-feira é dia de Cooperifa, faça chuva ou mais chuva. Os índices pluviométricos alertavam que não chovia tanto no mês de Julho desde de 1943. E a cidade que não pára, não deixava ninguém prosseguir no trânsito. Mas chegamos, com muito frio, mas há tempo. O Guilherme que já conhece e sabe o que é bom, pediu um escondidinho e duas cervejas pra aquecer o corpo, pois a alma estava reservada à poesia.
O simpático Márcio Batista, exímio Anfitrão, sentou-se em nossa mesa e aplacou a sabatina dos perguntadores. Contou que, a Cooperifa surgiu de uma idéia de Sérgio Vaz, em 2000 reuniram-se por volta de 50 artistas e 200 pessoas em uma fábrica vazia em Taboão da Serra para um sarau. O grupo se expandiu e passou a se apresentar no bar do Bodão, também em Taboão da Serra, os sócios venderam o bar e os poetas choraram sem ter espaço para os encontros. Porém a cooperativa encontrou seu canto e, a partir de 2002, o reduto tornou-se o Bar do Zé Batidão, Piraporinha, Zona Sul de São Paulo.
Para Márcio, quando os moradores da periferia olhavam para o futuro, viam refletidos no espelho dois destinos: “ o do trabalhador que deu certo e do marginal. A Cooperifa mostrou que outro caminho é possível, o mundo das artes e da comunicação”. Como esse caminho passa pelo conhecimento, muitos moradores voltaram a estudar.
A Cooperativa de poetas é um espaço aberto à poesia, rap, esquetes teatrais, crônicas e, também, um divulgador de outros eventos culturais que acontecem na região.
Quem vai à Cooperifa é cooperiferico, quem fala ao microfone é poeta. Então, façamos silêncio: o sarau vai começar. A poesia é uma prece, e a única regra durante a oração é o silêncio.
As estrelas da noite vão passando e nos encantando com os sons, as cores, as paixões e os desejos de suas poesias. Até que, Sérgio Vaz, idealizador do projeto, recita Porém, nele: “ As palavras sempre me vieram como culpa e não como estrelas”. Ainda sem ar, escuto o poeta Fuzil, conhecido como metralhadora de palavras, dispara Ferreira Gullar em Bomba Suja: "Quem come o arroz que ele plantou?"
Ph Mc, um garoto de aparentemente 15 anos, com rap nos olhos e muita vontade nas mãos esbraveja: “ nossa alma jamais vão trancar”. Quando me pergunto, é isso que se produz aqui? Wesley responde. "O que se produz na geografia da Dor? Eu digo: beleza, força e vivacidade. É o que se produz". "E amigos e inimigos debaixo do mesmo teto", segundo Márcio.
Assim como a árvore que assiste a tudo, bem ao meio do bar – o palco dos poetas – a Cooperifa também tem raízes, outros projetos e eventos. Entre eles o Joelhaço: homenagem ao dia internacional da mulher, em que os homens se ajoelham, simbolizando um pedido de desculpas pelas agressões cometidas. Balões com poesias são soltos ao vento em abril. Chuva de livros, uma vez ao ano, todos os presentes no sarau ganham livros. Cinema na Laje, com sessões de documentários sobre a periferia.
Olhando os poetas, percebo que estou longe de dar conta do vivido. Esses retalhos de poesias transcritos aqui, não são nada perto de tudo que eles tecem. Mais importante que dizer o que é a Cooperifa, é viver a Cooperifa. Tomo para mim, as palavras do cooperiferico Quintela, sobre uma conversa com Sérgio Vaz: "Eu não choro por uma rudez minha, mas dá vontade”

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Rabisco de Fábula

Marianinha é o nome da mariposa teen, é assim que ela se define. Sempre com as asas rigorosamente lisas, por sua aqua-chapinha, que alisam sem retirar a umidade e o brilho de suas asas.
O sonho de Marianinha , a mariposa, é ser uma borboleta. Seu pais não entendem o porquê disso. É sempre um bater de portas, horas ao telefone e muitas lágrimas, tudo por um único motivo: ser o que é - uma mariposa.
Para seu pai, é uma ofensa, geração após geração de mariposas e Marianinha querendo ser borboleta. Nos somos raros, borboleta tem em qualquer lugar, mariposa não! Mas não adianta, não há quem consiga fazer Marianinha arredar asas de sua vontade. Sonha em ser uma das bailarinas do conservatório Floral das Borboletas do Além Terra. De repente um grito do quarto de Mariana – que não passa de uma fissura no tronco de um Ipê roxo - Com os olhos arregalados lê: Concurso Seja Uma Super Pop Borboletinha. A revista Carrapicho promete transformar qualquer espécie voadora : abelha, mosca, mariposa etc... em uma super pop borboletinha. Basta enviar uma resposta dizendo porque você merece ser escolhida .
Marianinha enviou duzentos e cinquenta e-mails e uma animação. No dia do resultado, escondida de seus pais, bateu asas e voou em direção ao seu destino. Em sua pink mochila, seus talismãs: sua aqua-chapinha e o brochinho que sua avó lhe dera quando ainda era bebê – uma mariposa e uma borboleta de mãos dadas . No meio do caminho, uma bifurcação, e ela não sabia para onde ir, à direita ou à esquerda? Encontrou um Grilo lindo, nunca tinha visto um tão elegante, de um verde que se desprendia no ar. Perguntou se ele conhecia o Jardim Novo Mundo. Ele disse que era funcionário do pedágio, e que, pela nova aerovia, chegaria muito rápido, só que para isso, deveria deixar algo de valor com ele.
Marianinha abriu a mochila, só havia seus dois talismãs. Pegou o broche, mas lembrou da sua avó, dos domingos de cafuné e bolinho de chuva, recusou. Ofereceu a aqua-chapinha. O Grilo insistiu no broche e provocou: pela aerovia eu garanto que chega antes do anoitecer, mas pelo outra caminho, com o ar rarefeito e todos os perigos da floresta não saberia dizer. Marianinha, apesar de mariposa, tinha pavor do escuro. Respirou fundo, abertou a Pink mochila contra o corpinho e seguiu pelo caminho mais longo, mas com broche.
Cansada de voar, resolveu parar à beira de um lago. Já estava anoitecendo, logo seria revelado a ganhadora do concurso e ela ainda estava muito longe, perdida. Foi quando ouviu um barulho. Quase um arroto. Pensou, quem é o porco? Mas não era um porco, era um sapo. Flavinho, o sapinho gente boa. O sapo questionou: o que uma mariposinha faz uma hora dessas longe de sua árvore? Marianinha lembrou de seu pai: fique longe dos sapos. Quando eles abrem a boca... Mas sem que, nem porquê, simpatizou com o Flavinho. Talvez por conta de seus suspensórios. Concluiu silenciosa: ah! uma pessoa malvada não usaria suspensórios coloridos. O sapo achou a história estranha e emendou: eu nunca quis ser príncipe, mas, contemporizou, cada bicho com sua espécie, né?
Esticando seu suspensório ordenou: Marianinha, suba nas minhas costas, vou te levar ao Jardim Novo Mundo. Ela aceitou, e de pulo em pulo chegaram em um suspiro. Foi um susto desejado, quando dizeram seu nome. Ela chorou por dentro, já que esquecerá de passar o rime à prova d’agua, e não convinha dar uma de mariposa, agora que seria borboleta. Borboleta não chora, ri, disse o anunciante da Carrapicho.Você será uma super pop borboletinha luminosa. Ninguém a reconhecerá. Nem meus pais? Nem eu, perguntou o Flávinho. Ninguém. Além da transformação corporal, faremos uma educação celebral. Você terá lembranças borboletais, nunca saberá que um dia foi uma mariposa na vida. Não é fantástico? Marianinha chorou, não se importou em borrar à fantasia, doeu abrir mão de seu sonho. Escolheu o caminho mais longo, à sombra das mariposas ao sol das borboletas.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Dia estranho

11:00 -Há dias que está tudo certo. Post feito. Avenida reta. Um carro cruza o farol vermelho e te abate. Foi o que aconteceu, hoje, com a senhora que cruzava a avenida Francisco Matarazzo, esquina com o Parque da água Branca, foi atropelada pela vida. E o post certo, agora, é o errado.
Antes:
9:30 - Acordei com o telefone tocando, minha irmã me despertou, pois esqueci meu despertador, o meu celular, na casa dos meus pais. Estava saindo de casa, quando lembrei que esqueci de colocar água para planta - deixei a porta entre aberta - foi o tempo de buscar água e abrir a janela, quando voltei à porta, tinha um homem parado. Dei um grito falho - um daqueles momentos que tudo parece em câmera lenta - e questionei: o que é isso? O homem pediu desculpas e saiu. Foi para o apartamento 121, perto do elevador. Moro no 125, meu apartamento é no canto e o último do andar, não dá passagem para nenhum lugar, não há motivo para alguém ir até lá, a menos que vá até minha casa. A visão daquele homem olhando minha casa, me assustou. Claro que me senti invadida, minha bagunça de dias à mostra, mas foi bem mais do que isso. Nunca senti medo de morar sozinha. Mas ver alguém dentro da minha casa, sem o meu consentimento, me tirou do eixo.
10:25 - O caixa do banco sorridente perguntou: Tudo bem? Aquilo foi tão estranho, alguém que não conheço perguntando se eu estava bem. Respondi comercialmente: tudo bem.
10: 45 - Um homem exótico entra no ônibus, ele era bonito, mas um bonito-desconhecido, não consigo definir sua nacionalidade. Latino Americano sim, mas com um tom de pele que foge do branco ou moreno, olhos que lembram os dos chineses, porém claros.
11:00 - Ele desce, o trânsito para dentro do túnel, a ambulância tenta passar, é o anúncio do acidente - sua sirene constrange todos os passageiros, não era a sirene usual : íon,ionn, era continuo, parecia a representação do quadro o Grito, continuo em sua angústia.
12:00 - Chego no trabalho, antes de entrar, percebo que o moço que sempre cruza comigo na mesma calçada, mudou de lado.
Tudo parece tão calmo agora, olhando pela janela: a mesma planta seca no quintal;as mesmas paredes; a mesma escada abandona no canto; o mesmo sol de inverno. Só não sei precisar a razão dessa “inquietude” que corre sem parar entre meu estômago e meus olhos.


Ps: O post "certo" fica para semana que vem, se a vida não me atropelar.