sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Corinthians x São Paulo

Danilo é de família Corinthiana. Aos 7 anos, assumiu a camisa São Paulina. Não se sabe o porquê. O pai desesperou-se, os tios encamparam a batalha dos presentes: camiseta, bola, meião ...Nada. Um amigo solidário, também corinthiano, propôs ao pai de Danilo: “Tenho alguns contatos, o menino vai entrar em campo de mãos dadas com o Ronaldo. Imagine o Pacaembu lotado, nossa torcida cantando e ele de mãos dadas com o Fenômeno. Ele vai mudar de ideia, ah se vai!”.
Lá foi Danilo alvinegro dos pés à cabeça. O pai chorou na arquibancada ao ver o filho entrar em campo com o time do coração, com o Ro-nal-do. Danilo estava entusiasmado, radiante. O gramado verde contrastava com um mar em preto e branco. Seu coração respondia à altura a batucada que vinha da arquibanca. Não eram jogadores, eram super-heróis em uniformes reluzentes. Começa o jogo. As crianças despedem-se do campo. Ofegante, Danilo vai ao encontro do pai. Mal dá para ouvir sua voz perdida no coro da Gaviões: “Foi legal! Mas eu continuo São Paulino”.
Futebol é paixão. E paixão não é feita em linha reta. É drible, uma mistura de magia e libertinagem. Por mais que o resultado esperado seja a vitória, uma bola na trave pode ser inesquecível.


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Havia dois anos que só se falava no futebol russo. E mais ainda depois que a URSS lançou o primeiro satélite artificial – o Sputnik, em 1957 –, embora não se soubesse o que uma coisa tinha a ver com a outra. Como tudo que parecia vir da URSS, seu futebol tinha uma aura de modernidade e mistério que dava medo. Era o ‘futebol científico’, em que os jogadores estavam preparados para correr 180 minutos e, depois, sapatear balalaikas sobre os bofes dos adversários. Dizia-se que, em dia de jogo, eles faziam quatro horas de ginástica pela manhã. Dizia-se também que a KGB espalhara espiões pelo mundo, filmando partidas, e que seus computadores – então chamados ‘cérebros eletrônicos’ – haviam produzido um sistema perfeito para derrotar qualquer equipe”.
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...o jogo seria decisivo para os dois. Para piorar as coisas, o treinador russo Gavrin Katchalin ousara fazer uma visita 'de cortesia' à seleção brasileira na semana do jogo e espionar pessoalmente um treino. Quando um repórter brasileiro pediu-lhe para escalar o ataque ideal do Brasil, Katchalin falou sem hesitar: Garrincha, Didi, Mazzola, Pelé e Zagalo. O olho de Moscou conseguira entrar na cabeça da comissão técnica.
A poucos minutos da partida, enquanto os jogadores eram massageados por Mário Américo, Carlos Nascimento [supervisor da seleção] resolveu retribuir a ‘cortesia’ dos russos e foi xeretá-los no seu próprio vestiário. Muniu-se de flâmulas da CBD e foi oferecê-las aos adversários.Voltou poucos minutos depois, com a mesma cara fechada, mas com um brilho nos olhos:
‘Eles estão apavorados!’
Quando a seleção reuniu-se ao redor de Feola para as ultimas instruções, todos escutaram quando ele virou-se para Didi:

‘E não se esqueça, Didi. A primeira bola é para o Garrincha.’

E para Garrincha:

‘Tente descadeirá-los de saída.’

Monsieur Guigue, gendarme nas horas vagas, ordena o começo da partida. Didi centra rápido para a direita: 15 segundos de jogo. Garrincha escora a bola com o peito do pé: 20 segundos. Kuznetzov parte sobre ele. Garrincha faz que vai para a esquerda, não vai, sai pela direita. Kuznetzov cai e fica sendo o primeiro João da Copa do Mundo: 25 segundos. Garrincha dá outro drible em Kuznetzov: 27 segundos. Mais outro: 30 segundos. Outro. Todo o estádio levanta-se. Kuznetzov está sentado, espantado: 32 segundos. Garrincha parte para a linha de fundo. Kuznetzov arremete outra vez, agora ajudado por Voinov e Krijveski: 34 segundos. Garrincha faz assim com a perna. Puxa a bola para cá, para lá e sai de novo pela direita. Os três russos estão esparramados na grama, Voinov com o assento empinado para o céu. O estádio estoura de riso:38 segundos. Garrincha chuta violentamente, cruzado, sem ângulo. A bola explode no poste esquerdo da baliza de Iashin e sai pela linha de fundo: 40 segundos. A platéia delira. Garrincha volta para o meio de campo, sempre desengonçado. Agora é aplaudido.

A torcida fica de pé outra vez. Garrincha avança com a bola. João Kuznetzov cai novamente. Didi pede a bola: 45 segundos. Chuta de curva, com a parte de dentro do pé. A bola faz a volta ao lado de Igor Netto e cai nos pés de Pelé. Pelé dá a Vavá: 48 segundos. Vavá a Didi, a Garrincha, outra vez a Pelé, Pelé chuta, a bola bate no travessão e sobe: 55 segundos. O ritmo do time é alucinante. É a cadência de Garrincha. Iashin tem a camisa empapada de suor, como se já jogasse a várias horas. A avalanche continua. Segundo após segundo, Garrincha dizima os russos. A histeria domina o estádio. E a explosão vem com o gol de Vavá, exatamente aos três minutos
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Texto escrito por Ney Bianchi em 5/06/1958, para revista Manchete. Reproduzido em “Os maiores três minutos da história do futebol” .Ruy CASTRO. Estrela solitária: um brasileiro chamado Garrincha.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Aos Saudosistas


Adoro embrulhos em jornal ou em papel pardo
Adoro sacos de papel
Adoro orelhões a ficha
Adoro mercerias e cadernos de fiado
Adoro filmes de familia em Super 8
Adoro circos
Adoro vitrolas e seus estralos
Adoro AM
Adoro o Fusca 77
Adoro Máquinas de Escrever.... Mecânicas

Tenho celular, tenho notebook, tenho banda larga

Mas eu ainda consegui manter o copo americano e a cerveja original e seu rótulo (às vezes)
É a saudade do que a gente nunca viveu... Será?

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Psicodelia

A vida é uma caixa preta, dessas que findam submersas em oceanos, sem que consigamos desvendar seus mistérios. Mas em seu princípio, a vida - essa caixa-preta - é lançada contra uma chuva de parafusos. Ao ser perfurada, ela vai também sendo iluminada. Por isso, às vezes, dói sentir nossos corpos sendo moldados de forma tão aguda, somos rígidos demais em nossas caixas. Quanto mais forte a chuva, mais vida: nossos espaços vazios serão tomados por luzes que nunca se apagam, mesmo que nunca mais voltem.