quarta-feira, 25 de março de 2009

Liberdade


Não sei se alguém reparou , mas na semana passada não teve post. Eu estava pensando em algumas possibilidades de texto, a mais clara era sobre o Pasv, um restaurante quarentão que fica na São João, a foto ao lado é um pedacinho do Pasv, o pedacinho que ficou do azulejo português. Ah! Mas os donos são espanhóis.
O texto, na maioria das vezes, surge aos poucos na minha mente, durante dias, frases e imagens ecoam, até que viram esses rabiscos que eu, despudoradamente, revelo a você. As imagens estavam opacas ainda quando meu irmão me ligou na tarde da quinta-feira. Por alguns segundos pensei que a ligação estava com algum problema, mas não, meu irmão chorava compulsivamente. Eu nunca vi meu irmão chorar daquela maneira, já o vi choramingar. É claro que meu irmão não é uma rocha, ele deve chorar como fazemos, quase, todos nós: no escuro das nossas casas, embaixo dos lençóis, no chuveiros, escondidos sempre - tendo nossas lágrimas abafadas por trilhas sonoras e secando nosso sal nos travesseiros. Mas naquele dia, a dor foi maior, muito maior do que orgulho, a vergonha de chorar ou de sentir. Às vezes penso que temos vergonha de sentir.
Só a morte é maior que a dor de ver, ou sentir, no meu caso, quem você ama sofrer. Foi assim que ele me disse: Tata, o Thor fugiu... demorou para ele terminar a frase e explicar: O Thor, o cachorro dele, estava em uma casa para cruzar com uma cachorra, aproveitou do relapso de alguém que abriu o portão e fugiu. Eu fiquei ali, sem ter o que fazer e desesperada por isso, a verdade é que eu não tinha idéia da real importância do Thor para meu irmão, ninguém tinha. Como era impossível conversar com ele, liguei para minha mãe mais tarde. Ela explicou que eles haviam procurado por todos os lados e espalhados os conhecidos cartazes. Eu aqui, longe, de mãos atadas, mesmo diante de minha fé que mais parece um anjo caído, pedi pra Buda, pra Deus, para São José, já que era o santo do dia, comi Zepolle – doce feito pelas padarias italianas, apenas 1 vez por ano, no dia de São José, e mentalizei.
Foram dois dias, até que às 07:20 da manhã o telefone tocou, e meu irmão disse: Tata, eu acordei com os latidos do Thor, ele voltou pra casa sozinho. O cachorro percorreu por volta de 5 quilômetros, isso calculados em linha reta, imaginamos que conseguiu pelo faro, mas sabe-lá-só -Deus- Buda- ou- Santo-São José como o Thor conseguiu voltar pra casa.
Desliguei o telefone, e a vida me pareceu mais bonita, o cachorro perambulou durante dois dias por lugares estranhos a ele, mas conseguiu voltar para casa, para os braços de seus donos. Amor é isso: a liberdade de poder estar em qualquer lugar, mas ter vontade de estar apenas em um lugar, ao lado de quem se ama.
Ah! O Pasv, se vocês forem ao restaurante durante a semana, verão pouquíssimas pessoas, a mesma garçonete que ali trabalha por mais de 15 anos, os simpáticos e sobreviventes proprietários, e o que restou do azulejo que denuncia a existência de antigas paredes. Paredes dos tempos áureos do Pasv, do tempo em que todas as mesas eram ocupadas, do tempo em que os pratos não eram recolhidos sem uso. Do tempo em que alguma coisa acontecia nos coracões quando se cruzava a Ipiranga e a avenida São João. Mas se forem ao Pasv em um domingo, poderão encontrar senhores de paletó e senhoras que cheiram a talco. Com sorte, verão um casal de namorados. Namorados há mais de 40 anos, e enquanto seu prato não vem, perceberão que eles poderiam ir para qualquer outro restaurante, mas não, eles vão ao Pasv.

14 comentários:

Anônimo disse...

Créud's,
Verdade essa de que texto vem... vem e nem nós mesmas sabemos de onde é que ele vem... qd nos damos por conta... saiu... foi... já não é nosso... é do mundo e daqueles que compartilharem ele conosco... mt doido isso né...
Se vc pensar, o que vc escreve, principalmente nesse mundo virtual totalmente sem fronteiras, era algo tão seu e agora continua em partes seu, porém é tão do mundo, tão de ninguém... passivo de tantas e diferentes interpretações... Complexo, não??
Mt mais complexo, ao meu ver, é a relação homem-animal, principalmente porque cientificamente falando, o homem também é um animal... Mas, falando do Thor... mensuro com exatidão o que seu irmão sentiu, é uma dor que não se sabe de onde vem, mista de impotência, de impunidade, de ódio e amor em excesso... vc perde o rumo, o prumo, o chão... e aos poucos volta a si e começa a aceitar sua impotência e pensar, dentro dela, o que se pode fazer... Foi São José-Buda-Deus-o Zepolle da Cida... ou só instinto... aquele, que nós também temos... que nos aproxima das coisas que amamos de verdade, falo de amor puro e sincero... mas é o mesmo instinto que temos de defesa... desse o Thor também deve ter se utilizado bastante no período de "Rota pra casa"...
A propósito, o Pasv... aceito a idéia de que quem frequenta o Pasv veja lá a "Rota pra casa" também, lá sinta lembranças, aceite momentos, ou só aceite o cardápio e a comida da tal garçonete ali há tanto tempo...
No auge dos meus devaneios surtei totalmente e pensei: Que tal levar o Thor ao Pasv???
É...
Namastê!

PuLa O mUrO disse...

Pô....
Tem um casal de namorados assim que toda sexta feira está no Freitas (há muito tempo de deixou de ser DO Freitas, mas continua O Freitas..rs). E o pior é que sempre pedia licença a eles pra poder ir no banheiro, mas meu diálogo nunca passou disso... Apesar da curiosidade, nunca quis interromper o namoro! rsrs

Você deve conhecer estes, não?

Mill disse...

Lindo texto hermana

Como sempre, sentimentos a flor da pele, apoiados em uma parede azuleijada

Beijo querida

Bazar do Desapego disse...

Júlio,

E como lembro, sensacionais!! Ela sempre estava de batom rosa e carteira de mão. Ele, às vezes, de sapato bicolor. Infelizmente eles não frequentam mais o "antigo freitas, que na verdade, era Américo"...rs. Sempre tive esperança de fotografa-los, mas...
Beijo

Vanessa disse...

Você falando do Thor e eu me lembrando do Jacó. O Jacó era o cachorrinho que morava na casa dos meus pais, em uma de suas caçadas foi atropelado por um caminhão na estrada e voltou se arrastando até a casa, para morrer ao nosso lado, ou melhor: nos meus braços.
É impressionante o sentimento entre homens e animais... não dá pra explicar...

Mas enfim,o Pasv eu não conheço não.

Anônimo disse...

Que belíssimo texto...apesar de minha ausência por um tempo, pude perceber que vc não perdeu o jeito com as palavras. Finalmente encontrei uma boa definição pro amor: a possibilidade de estar em qualquer lugar, mas o desejo de estar em um só...e desconfie mesmo desses caras que dizem que não choram, ou não possuem coração ou são da pior espécie de mentirosos.

Bjs,

Fadulzitos

Monique K disse...

devorei aqui agora !
fazia um tempo que naum conseguia parar pra ler aqui !!!!
amei o texto a paixão , o négocio do texto q vem , eu tb sou assim , hahahahahah e vou ao Pasv ver se encontro um casal de namorados há 40 anos pra ficar achando lindoooo .... hahahahaha

Gabriel disse...

Gostei demais. Se não é o melhor do blog, passa bem perto. E esses "Ah!" são impressionantes: dá quase pra ouvir sua voz de desenho animado (sim, eu sei que você não gosta). Besos.

Unknown disse...

excelente texto!!!!!

queria eu, visitar o mesmo bar, ser servido na mesma mesa, beber a mesma cerveja e ouvir as mesmas músicas, pelos próximos 40 anos, com a(s) minha(s) próxima(s) namorada(s).

Fabio Chiorino disse...

"poderão encontrar senhores de paletó e senhoras que cheiram a talco". Perfeito. As críticas gastronômicas deveriam ser assim. Fugindo do óbvio e aprofundando o perfil da clientela. Muito bom

Gustavo disse...

Vou cumprir aqui uma promessa feita há algum tempo, e contar sobre duas pessoas que viveram uma história de amor.

Ela: Doce, acanhada, sentimental, pensava muito antes de qualquer ato e muito fiel a seus amigos.
Ele: Impulsivo, falador, até mesmo um pouco desatinado, mas sentimental também!

Então os caminhos se cruzam, num primeiro momento ele nem percebe o olhar discreto dela, nem seria viável uma aproximação naquele momento; Ele era monitorado a todo o tempo pela então namorada, mas um relacionamento com data marcada para o final.
Até que tal data chegou.
Mas precisou de uma ajuda para que ele percebesse o então olhar discreto dela
No primeiro encontro pareciam duas pessoas que nunca haviam tido contado com o sexo oposto, a timidez que já era dela, o contagiou; Mas tudo aconteceu de maneira natural.
Era um momento mágico, toda a malandragem do rapaz ficou aquietada, sabe aquelas cenas de namoro antigo: Um casal no banco de uma praça de igreja ao lado de um coreto.
Foi assim o primeiro encontro, depois o segundo, o terceiro...
Mas como sempre tem alguma coisa reservada a nós, o caminho de cada um tomou rumos diferentes, ela teve que se mudar, foi procurar novas aventuras em lugares diferentes, ele faz as aventuras dele por aqui mesmo.
E agora analisando posso ver o como estão mudados, ela não é mais aquela garota tímida que falava baixinho, e nem ele é o impulsivo maluco de antes.
Mas uma coisa posso ver que não mudou, o carinho que um tem pelo outro.
O casamento que era cogitado pelo casal não rolou, mas os agradecimentos de uma experiência linda, sincera e mágica acontecem até hoje.

Claud, um super beijo pra você mulher

Maria Rita disse...

Nossa!!!
Varias vezes entrei no blog, e fiquei com "preguiça" de ler, mas acho que não era a hora certa pra eu ler....
Hoje, depois dos acontecimentos de ontem, após ler, me emocionei muito...
Eu ainda sonho em encontrar alguem pra me levar no "PASV", nem que seja daqui a 40 anos...

Beijao Clau...

Maga disse...

Clau,
Fazia tempo que não vinha por aqui... Atualizei todos os textos que não havia lido ainda...
Adoro seus textos, e a cada dia que passa estão mais envolventes!!!! Parabéns!

Bom, bajulações a parte... hahahaha

Sempre achei que o amor tem cheiro, e um bom amantes tem um ótimo faro... Capaz de sentir esse doce aroma a milhas e milhas distantes!!!

Não importa o tempo, uma hora ou outra o olfato aguça hahaha que nem eu com seu brog!!!! hahahahaha

Beijos lindona!!! Saudades...

Anônimo disse...

Olá... Clau...
Cachorro é um assunto delicado, principalmetne de madrugada e com os olhos... bem você sabe...
Logo essa noite que olhava fotos antigas...
Sabe como é... feriado... fotos antigas família longe... e perto... cachorro...
Bom... parabéns pelo texto... e pela sensibilidade.

Ah...um abraço pro Thor.