quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Você tem fogo?

Para Déia
Poucas coisas me fascinam tanto quanto uma “tragada profunda”, por segundos conseguimos ver a alma alheia, mas no momento seguinte ela nos escapa.
Houve um tempo em que fumar era charmoso, tudo estava envolto em fumaça: músicas, t.v, desenhos, filmes. Veja você, no YouTube se quiser, os Flintstones já fizeram propaganda do Marlboro. Você consegue imaginar Humpert Bogart, em Casa Blanca, sem seus cigarro - pensantes? Por favor, politicamente corretos, não digam o óbvio, a indústria do tabaco forçou essa aparição! Me deixem com a fugidia tragada do romantismo.
Sei que um dia, em um Inferninho qualquer, não direi nada além de: “Come on baby, light my fire”... É, mas os tempos são outros, pelo que parece, os moçoilos adotaram o eufemismo: “ vou ao banheiro” . Outrora, eles diriam: “vou comprar cigarros na esquina”. Prefiro o último, acho mais poético, mas pode ser que eles achem o outro mais higiênico!
Um dia desses, uma fumaça me contou que uma senhora de 75 anos, portuguesa, de sotaque adoravelmente carregado, adentrou o consultório de um psicólogo para sua primeira consulta. Antes mesmo de sentar, caminhando com dificuldade, perguntou: posso fumar? Se não posso, não há problema, vou embora!" Depois de uma ligeira paralisia, ele fez sim com a cabeça. A senhora acendeu seu cigarro; o psicólogo, que é fumante, a acompanhou. Entre uma tragada e outra, a portuguesa explicou: "Doutor, já vivi muito, estou com câncer no pulmão e meus filhos só sabem pedir para que eu pare de fumar. Todavia, o Sr. acha que Sartre escreveu O Ser e o Nada sentando em um café à toa? Eu não estou aqui porque tenho medo de morrer, eu estou aqui porque quero me entender... Eu não quero viver pra sempre, aceito a morte como um dado da vida e o cigarro como um prazer que me humaniza.
O mais acertado seria calar-me diante de tão sábia senhora, mas como não estamos aqui pelo certo, e sim pelo fogo, digo: estou cansada das mãos ostensivas que impõem campanhas de humanos perfeitos, sem vícios, sem erradas falas, sem atos impensados...
Não sras. e srs., eu não fumo. Mas gosto de pensar que a milhas de mim mulheres enrolam charutos em suas coxas, presos encontram no cigarro a sua liberdade, o caipira matuta com um cachimbo no canto da boca, a garota ansiosa devora o maço na esquina e, acima de tudo, que a qualquer tempo, um Álvaro, Campos ou Fernando possa escrever:
"Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino me conceder, continuarei fumando "

Só aquele que tem vícios pode ter alma.

Nota: Flinston no YouTube http://br.youtube.com/watch?v=nL53aIEgTxo

12 comentários:

Vanessa disse...

Clauziiiiiiita,

Este post tem um charme, uma coisa que eu não sei nem explicar direito, mas acho que é por conta do "fazer o que se tem vontade e aproveitar o que dá prazer na vida".
Ao contrário do que a srta. me falou, não fiquei ofendida com seu post, apesar de sempre ser a chata que xinga os fumantes!!!
Mas deixa eu aproveitar e fazer uma "defesa".
Eu não me importo com o vício das pessoas e sim com a imposição deles sobre mim, por exemplo, um cara jogando aquela fumaça fedida do meu lado e achando que é um charme!
Aquela merda fede e me faz um mal danado! Quer fumar, fume! Mas faz o favorzinho de jogar a fumaça pro outro lado!!! rsrs
Não sou contra os vícios, até pq eu tenho um monte deles!
O que considero importante é fazer o que se tem prazer, mas sem invadir e importunar o prazer alheio.
Ahh respondendo a pergunta título do post, eu tenho fogo sim, mas não para acender cigarros! rssrsrsr

beijos

Johnny disse...

Clau...
Esse texto me deixou feliz.
Eu tenho alma.kkkk
Bem, já é um grande passo. Eu tenho um vicio...bem...pensando melhor; tenho vários.
Uma vez uma amiga me disse que após várias tragadas teve uma experiência quase que transcedental, algo como troca de energia (achei isso um papo de maconheiro,kkk). Talvez tenha sido um encontro de almas, o que você acha?
Para mim vícios são lastros que nos nivelam como seres humanos e
a tragada profunda é o êxtase de todo vício.

Beijos

Mill disse...

Meu Deus

vi a obra em seu alicerce, mas que arquiteta literaria que temos, que com uma estrutura polemica finalizou uma obra com detalhes no acabando digno de um Niemeyer das letras

Lindo hermana

Unknown disse...

Frô! Obrigada pelo texto! Sabe que esperei ansiosamente a postagem dele no seu Blog... E viva o deboche...rs...

"Desconfia dos que não fumam: esses não têm vida interior, não têm sentimentos. O cigarro é uma maneira disfarçada de suspirar..."
Mario Quintana

Beijos!

Anônimo disse...

Olha só que coisa...
O Mill me passou este link e eu perguntei de quem que era... Antes mesmo de ver a resposta comecei a ler, terminei e vi que era seu antes mesmo de ler a resposta...
Adorei mais ainda o texto quando descobri a autora do mesmo!
Parabéns Clau... Liberte cada vez mais essa sua veia artistica!!!

Mas sobre o texto, tenho um comentário a fazer...
Estou tentando abandonar o tabaco, mas realmente é muito complicado. Hoje em dia vejo que o mais difícil na hora de vencer o vício, é abandonar o ato de fumar pelas ocasiões em que ele é proporcionado como uma forma de prazer e não simplesmente o hábito diário e a necessidade física que ele causa.
É por isso que volta e meia me dou ao luxo de me permitir que um ato leve ao ato de um trago...
Vou voltar mais vezes!
Beijocas

Unknown disse...

Querida Claudiana,para que recolher fragmentos se eles já estavam em sua memória?Que bom,pois em minha memória ficam tantos deles que se torna uma delícia ouvi-los,ou melhor,encontrá-los novamente em palavras que renovam o sentido do prazer em nossas vidas. Faz jus àquela mulher que deixou eternamente seu perfume,sua sonoridade de além´mar e seus tragos em minha memória.
Tenho acompanhado sua escrita com muito carinho. Bjs, Marcus

Nancy F. disse...

Clau!
Detesto cigarros, detesto quando fumam perto de mim... mas seu texto eu não detestei... rss

Parabéns mais pelo texto!
Um beijão, querida!

Anônimo disse...

Adorei o ínicio do texto quando você fala sb o charme de fumar um cigarro. Até hoje o cigarro faz sua parte bela na imagem. Adoro ver aquele bandido tirando um maço de cigarros amassado do bolso e o colocando na boca,aquele cigarrinho de filtro vermelho ou algo mais charmoso como um homem em seu terno impecável tirando uma bela cigarreira do bolso interno do paletó ou até mesmo uma mulher sensual com uma piteira longa puxando a fumaça e soprando levemente em formato de argola..rs

Mas quanto mais atraente mais perigoso se torna, como fumante tenho um certo receio de acender um cigarro em um círculo de pessoas não fumantes, como também me incomodo com cheiro e fumaça, enquanto isso eu aguardo a criação de injeções de nicotina. Não será tão belo, mas assim continuarei com meu vício sem incomodar terceiros.

Beijos vizinha. Desculpa a ausência em um blog tão belo.

Pamela Lima disse...

Olá Claudiana,
Texto lírico e polêmico.
Exceto pelo cigarro, sou um emaranhado de pequenos vícios( mas acho que todos somos, não?)

Entrei aqui porque recebi o email do seu comentário no coletivo "Oficina de Improvisos".
Obrigada pela visita ;)

Pamela Lima
oficinadeimprovisos.blogspot.com

Anônimo disse...

Nossa moça, gostei do que escreveu me parece muito famíliar.
E o charme que o cigarro exerce sobre o indivíduo e muito forte, ele é um socializador também. Pois quando queremos conhecer uma garota e não temos um agente para tal feito, o cigarro torna-se uma grande arma - claro caso a garota fume também, você me entende né.
Fábio Camilo de Oliveira

Anônimo disse...

Essa é a Claudiana...capaz de transformar algo tão controverso com o cigarro em algo poético e agradável. Não fumo, mas imagino que esse texto seja capaz de produzir as mesmas sensações que alguns tragos em momentos de tensão. Os vícios fazem parte da humanidade, é o que nos diferencia dos animais (estes têm hábitos), e ainda que existam vícios mais saudáveis, beber alguma coisa ou fumar um cigarro terá sempre uma condição de diferenciação e, porque não, de charme em relação a outros vícios.
Parabéns pelo texto!

Bjs

ed disse...

Uau! De um fumante consciente para uma não-fumante consciente: que coerência, que argumentação equilibrada! Se o mundo refletisse mais e agitasse menos bandeiras, não haveria guerra entre facções opostas. Haveria diálogo. Haveria risadas (porque rir de nós mesmos é fundamental para a aquisição de uma autoconsciência crítica); e haveria até poesia, como esta que fecha que sua deliciosa explanação.
Beijo grande, você ganhou mais um fã e assíduo leitor.

Eduardo Torelli (Baú do Edu)