quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Extra-extra-extra!

O Pitadas foi homenageado pelo Pulaomuro . Uma retrospectiva linda! Obrigada, Júlio!

Quem sabe um post?


Eu quero escrever tanta coisa, mas sou aquele velhinho que foi vencido pelo jabuti na luta contra o degrau de sete centímetros. Só me resta deixar as palavras caírem como pingos, aqui e acolá. Feito chuva.
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Já passava da 1 da madrugada, a Consolação estava só. Chovia tanto que não havia espaço para maldade. Caminhei pelo meio da rua, faróis verdes ou vermelhos não faziam mais sentido. Em meus ouvidos: o choque bruto da água que cai contra o guarda chuva. Retardei o quanto pude os quarteirões que me levavam para casa.
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Ela está lá, pendurada na porta do pequeno guarda roupa. Luiz Francisco* costumava passar cuidadosamente a camisa do seu Corinthians e saía pela rua exibindo a liberdade das grandes paixões. Faz tempo que ele não veste sua liberdade, com medo de que seu barraco suma sem mais nem porquê, ele não vai mais ao estádio.
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A moça dança com a taça de dry martini na mão, no ritmo do rock n' roll mergulha dos dedos na taça e os desliza nos lábios do parceiro.
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Solte seus cabelos, foi o que ele pediu a ela que sempre viveu com os cabelos presos.
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Abri um livro em um sebo e encontrei essa foto, deixei o livro, mas levei a foto.
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Talvez, só talvez, tudo isso não passe de uma chuva tão forte que corre em direção ao bueiro e quando acaba, perguntamos: será que choveu? Com sorte, teremos sol amanhã.
* Luiz Francisco foi um dos entrevistados por Marcos Faerman na reportagem: Gênesis

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Perfume

A vizinha, nunca a vi, mas sinto o perfume de sua comida. Ela e seus aromas são os maiores inimigos da minha independência, tenho vontade de correr pra casa dos meus pais. Esperar o bife na sala, e pensar, boba que só, que o chiado que vem da cozinha é chuva. Cebola refoga!
Perfume me faz lembrar da dona Ana - ela tinha uns 60 e eu uns 8 - uma senhora suave com seus vestidos florais e sapatilhas de pano nos pés, caminhava sem pressa, carregando uma sacola de feira cheia de frutas. Percorria a vila vendendo as delícias do seu sítio. A minha fruta preferida era a Laranja Lima, raramente tinha na sacola dela. Não à toa,representava muito espaço, peso e baixo custo. Para comprar minhas laranjas, tinha que acompanhá-la até sua casa, era sim lá no interior. A casa sempre fechada e muito escura. Ela pedia que eu esperasse e ia abrindo aos poucos as janelas e portas da sala em direção à cozinha, a casa cheirava a pomar: banana, abacaxi, laranja, manga. Laranja Lima! O idioma da dona Ana era o da dúzia: meia dúzia, uma duzia, duas dúzias. Eu dizia: quero quatro, dona Ana. Ela, meia dúzia, né fia? Eu concordava. Era sempre a mesma coisa, mostrava as laranjas e depois sumia pela casa adentro a procura de uma sacolinha, escutava ao longe o barulho do plástico e o arrastar das sandálias em atrito com o chão. É, a casa da dona Ana era como um perfume lacrado, quando ela abria a porta, no breu, sem saber ao certo onde estava, sem ver nada, meu olfato era aguçado de uma maneira que, sentia violentamente o buquê das frutas invadir o meu nariz.
Como os sentidos se completam, corria pra casa e pedia para meu pai descascar, ele fazia o chapeuzinho do vovô - é quando você não parte a laranja ao meio, só faz uma tampinha bem pequena. Infalível, sempre doces as Laranjas Limas.
Há alguns dias uma fragrância me acompanha, não vem da vizinha, nem de algum pomar longínquo. É a essência de uma pessoa, seu perfume: essa junção de elementos que o tornam único. Maior que minha curiosidade, só o meu medo. Sem pulmão para respirar fundo, inalei paulatinamente o moço. Temi a embriaguês. Mas como um sentindo leva ao outro, ainda sinto seu gosto na minha boca.
Há quem diga que, quando se vive o mágico, leva-se seus fragmentos por toda a vida. Assim como dona Ana que vendias as frutas, mas retinha em sua casa o perfume. Guardo as essencias que a vida me dá no silêncio da minha memória, e, aos poucos - diante da visita - vou abrindo as janelas da minha alma.
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Convite para um Baile Perfumado