
Não sei se alguém reparou , mas na semana passada não teve post. Eu estava pensando em algumas possibilidades de texto, a mais clara era sobre o Pasv, um restaurante quarentão que fica na São João, a foto ao lado é um pedacinho do Pasv, o pedacinho que ficou do azulejo português. Ah! Mas os donos são espanhóis.
O texto, na maioria das vezes, surge aos poucos na minha mente, durante dias, frases e imagens ecoam, até que viram esses rabiscos que eu, despudoradamente, revelo a você. As imagens estavam opacas ainda quando meu irmão me ligou na tarde da quinta-feira. Por alguns segundos pensei que a ligação estava com algum problema, mas não, meu irmão chorava compulsivamente. Eu nunca vi meu irmão chorar daquela maneira, já o vi choramingar. É claro que meu irmão não é uma rocha, ele deve chorar como fazemos, quase, todos nós: no escuro das nossas casas, embaixo dos lençóis, no chuveiros, escondidos sempre - tendo nossas lágrimas abafadas por trilhas sonoras e secando nosso sal nos travesseiros. Mas naquele dia, a dor foi maior, muito maior do que orgulho, a vergonha de chorar ou de sentir. Às vezes penso que temos vergonha de sentir.
Só a morte é maior que a dor de ver, ou sentir, no meu caso, quem você ama sofrer. Foi assim que ele me disse: Tata, o Thor fugiu... demorou para ele terminar a frase e explicar: O Thor, o cachorro dele, estava em uma casa para cruzar com uma cachorra, aproveitou do relapso de alguém que abriu o portão e fugiu. Eu fiquei ali, sem ter o que fazer e desesperada por isso, a verdade é que eu não tinha idéia da real importância do Thor para meu irmão, ninguém tinha. Como era impossível conversar com ele, liguei para minha mãe mais tarde. Ela explicou que eles haviam procurado por todos os lados e espalhados os conhecidos cartazes. Eu aqui, longe, de mãos atadas, mesmo diante de minha fé que mais parece um anjo caído, pedi pra Buda, pra Deus, para São José, já que era o santo do dia, comi Zepolle – doce feito pelas padarias italianas, apenas 1 vez por ano, no dia de São José, e mentalizei.
Foram dois dias, até que às 07:20 da manhã o telefone tocou, e meu irmão disse: Tata, eu acordei com os latidos do Thor, ele voltou pra casa sozinho. O cachorro percorreu por volta de 5 quilômetros, isso calculados em linha reta, imaginamos que conseguiu pelo faro, mas sabe-lá-só -Deus- Buda- ou- Santo-São José como o Thor conseguiu voltar pra casa.
Desliguei o telefone, e a vida me pareceu mais bonita, o cachorro perambulou durante dois dias por lugares estranhos a ele, mas conseguiu voltar para casa, para os braços de seus donos. Amor é isso: a liberdade de poder estar em qualquer lugar, mas ter vontade de estar apenas em um lugar, ao lado de quem se ama.
Ah! O Pasv, se vocês forem ao restaurante durante a semana, verão pouquíssimas pessoas, a mesma garçonete que ali trabalha por mais de 15 anos, os simpáticos e sobreviventes proprietários, e o que restou do azulejo que denuncia a existência de antigas paredes. Paredes dos tempos áureos do Pasv, do tempo em que todas as mesas eram ocupadas, do tempo em que os pratos não eram recolhidos sem uso. Do tempo em que alguma coisa acontecia nos coracões quando se cruzava a Ipiranga e a avenida São João. Mas se forem ao Pasv em um domingo, poderão encontrar senhores de paletó e senhoras que cheiram a talco. Com sorte, verão um casal de namorados. Namorados há mais de 40 anos, e enquanto seu prato não vem, perceberão que eles poderiam ir para qualquer outro restaurante, mas não, eles vão ao Pasv.